☄️ Por que a arte dá umas dessas?
☄️
Uma coisa sobre viver em São Paulo, que provavelmente nunca vai sair de quem já viveu em São Paulo (pelo menos pra aqueles da nossa bolha do pessoal meio intelectual, meio de esquerda que vive em São Paulo), é que: Você acaba sempre vendo arte, meio que pela rotina da vida, por passar sempre ali pela Paulista, por ser tudo meio fácil de ir, sempre ter, estar tudo lá. E olha que eu nem era de fazer absolutamente tudo - pelo contrário, eu perdia várias ótimas.
🎨
E aqui eu tô falando daquela Arte, com A maiúsculo– desculpa, nem brincando eu consigo cometer essa besteira, por favor não leve a sério. Eu tô falando daquela arte tradicional que a gente tá acostumado a ver fora de casa. Da “arte de exposição”, geralmente nas artes plásticas, que a gente entra pra ver andando devagarzinho com um braço cruzado sobre a barriga e o outro por cima, segurando o queixo, pra sustentar toda a POMPA que a gente tem que forjar nesses momentos. Essa arte aí, sabe? Que, importantíssimo dizer, não é maior ou menor que nenhum outro tipo de arte (quem já falou sobre isso comigo sabe: eu sou extremamente relativista com esse assunto - tudo é arte, nada é arte. arte é o que você quer que a arte seja, e por favor não cague regra pro que as outras pessoas devem identificar como arte pra elas). Tem arte que a gente encontra em casa, tem arte que a gente encontra na rua, tem arte que a gente encontra em museu e tem arte que a gente não encontra pessoalmente também. Pra todos os efeitos, a desse email é essa de museu.
🦠
Acontece que eu acabei ficando uns bons dois anos sem ver arte, ir a museus, exposições e coisas do tipo. A culpa desse fato tem guarda compartilhada: É um tanto por conta de eu simplesmente sair de São Paulo e perder essa oferta constante e de fácil acesso às mostras; outro tanto pelo isolamento em si - já é o final do segundo ano de pandemia e eu ainda não tenho exatamente as manhas de sair tranquilo de casa, frequentar lugares mais fechados; e o maior tanto, provavelmente, pela pura falta de vergonha nesta cara que voz tecla, afinal de contas 1. fora de São Paulo também tem arte, é só procurar e 2. com a máscara certa e sem lamber corrimão sair pra esses programas é super tranquilo. Eu, infelizmente, sou dessa demografia pra quem a pandemia veio a calhar no que tange a procrastinação e o impulso de ficar em casa.
🚶
Mas uma hora dá no coco, e na última sexta resolvi aproveitar uma dica de programação aqui em Ribeirão Preto que o Marcon, amigo irmão de toda hora, tinha me lançado lá de São Paulo há umas boas semanas: A Mostra do Programa Exposições 2022 do MARP - Museu de Arte de Ribeirão Preto, que selecionou obras de 30 artistas com diferentes estéticas. Entre elas, três pinturas da artista Nina Horikawa, que ele acompanha e admira (com razão). Essa aí de cima é uma delas.
Precisou o amigo me avisar que a mostra seria prorrogada pra eu deixar de lado a inércia e fazer, finalmente, um negócio diferente depois de um tempão.
O MARP, em si, já é um programa interessante: Uma casa já centenária, no miolo da cidade (a choperia Pinguim, que todo mundo já ouviu falar por aqui, fica no outro canto do mesmo conjunto de praças). Chegando lá, você disputa a calçada com um ponto de ônibus lotado e precisa interfonar pra entrar nas dependências que, mesmo sendo pequenas pro conceito de museu que a gente tá acostumado, estavam surpreendentemente vazias numa tarde de sexta - estávamos eu, a digníssima, e literalmente só mais um casal de desconhecidos visitando. É estranho, como se fosse um clube super exclusivo: A cidade fervendo lá fora e só quatro pessoas olhando arte ali dentro. Mas isso é um papo mais longo e problemático. Fica pra uma próxima.
✨
E aí, eu não sei até onde o mérito é totalmente da experiência de ir à mostra e até onde eu só tava necessitado de qualquer migalha de vida cultural, mas a coisa toda bateu bem rápido em mim. Foi algo como recuperar um fôlego já bem fraco, um chacoalhão de uma rotina do passado em alguém de um presente meio apático por conta de tanta repetição, tanta falta de novidade. O fato é que a mãozinha segurando o queixo desceu bem. A contemplação meio “será que eu tô só fazendo pose?” desceu ótima. Sacar o celular pra fazer essas fotos com aquela partezinha de mim falando “vai lá, geraçãozinha instagram, não viva o momento, veja o mundo pela câmera do celular” desceu delícia. Me permiti curtir as obras que curti, tirar um sarrinho das que não curti (com aquele respeito artístico tenho-amigos-que-fazem/gostam), vagar um pouquinho sem rumo quando já tinha visto tudo mas ainda não queria realmente ir embora.
💭
Agora fico aqui relativizando como a gente toma como certo alguns tipos de rotina ou atividades que a gente nem sabe que constituem algo lá dentro de nós. Eu nem sou lá o grande apreciador das artes - conheço muito pouco, gosto das coisinhas que gosto e não necessariamente mergulho nesse mundo como posso tentar fazer parecer. Mas de alguma forma isso faz parte de mim em um nível que eu nem percebia muito bem, e começo a pensar que eu preciso, realmente, de um pouco de todo tipo de arte pra funcionar melhor. Até essa arte que a gente tem que sair de casa pra ver.
É isso que é a arte? É o que faz a gente mergulhar dentro da gente, acordar pro mundo de fora? É o que justifica a pose contemplativa, a foto do instagram? Por que, Nossa Senhora da Ironia, você faz um cara que não acredita tanto assim em uma definição única de “arte” pensar esse tipo de coisa logo depois de ver umas artes? Por que a arte dá umas dessas? Ou será que eu poderia ter uma incursão igualmente piradinha em mim mesmo se eu tivesse ido ver, sei lá, uma exposição de copo stanley no shopping? Exposição de copo stanley no shopping é arte? Tem que ser, né.
🌎
Durante a visita, uma obra me chamou a atenção de uma outra forma. Essa aqui de cima. A princípio, os anos de inércia me fizeram olhar pra ela naquela chave infantil do reacionarismo de quem não entende uma mensagem, do “olha que coisa esquisita”, do “assim até eu”. Passei meio batido mas ficou na cabeça. Depois, nessas de dar uma enrolada antes de sair, me aproximei de novo e aí li com atenção sua ficha técnica e o descritivo que a artista, a goiana Yara Pina, incluiu junto da obra. Eu não queria jogar o clima dessa newsletter lá embaixo bem agora no finzinho, mas são (e aqui eu cito a ficha técnica) “cabos de madeira cravados na terra contendo marcas que remetem às profundidades das covas onde foram encontrados corpos de pessoas desaparecidas no Brasil”.
No meio de uma mostra que até então tinha cumprido um ótimo papel em reativar minhas sinapses pro abstrato, pro artístico e pro estético (não que as outras obras não tivessem seu valor crítico), esse descritivo me jogou, com um soco na boca do estômago, pra outro canto da minha subjetividade - justamente a objetividade da arte. A potência que ela tem de nos fazer sair um pouco da rotação e nos acordar pra um mundo (e um tipo de relação com ele) cuja força dos fatos o jornalismo, por exemplo, raramente dá conta de reportar. Na subjetividade, a arte encontra uma força que a gente simplesmente esquece que existe. Uma força e um mundo.
E aí já não importa muito mais ficar tentando entender a arte e o que ela é ou deixa de ser. Aliás, no fim das contas a arte parece nunca deixar de ser.