☄️ Um lugar na internet
“Cê ficou vendo quadradinho a semana inteira, Jão!”
Mariah, minha companheira de vida, me incentivando a escrever essa edição.
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Se tem uma coisa que eu gosto na internet são dos seus cantinhos (já escrevi sobre um deles, inclusive), dos lugarezinhos que a gente descobre meio que por acaso e percebe que toda uma comunidade se encontra ali. Quase uma piada interna entre desconhecidos.
Pois bem: Falando em desconhecidos, comunidades e literalmente lugares na internet, eu precisei vir aqui escrever sobre o Reddit Place.
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A história começa em primeiro de Abril de 2017: O Reddit (rede social? portal? fórum? esse site é um pouco de tudo, e quem não conhece favor conhecer), já conhecido por realizar experimentações divertidas no dia da mentira, lança o r/place (esse r/ é como as comunidades são identificadas nas URLs do site).
O negócio fez sucesso e, como dá pra ver no resultado final daquele ano ao final de 72 horas, desde memes à Monalisa, basicamente a internet inteira estava ali.
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Corta pra 2022 - E é aqui que eu vou explicar como o negócio funciona: Alguns dias antes do primeiro de Abril, o Reddit anuncia que o Place estaria de volta, dessa vez maior e melhor. Comunidades mais ativas já começam a planejar suas artes e quais espaços ocupariam.
O lugar, com o perdão do trocadilho, começou com uma tela em branco, de 1000x1000 pixels, onde cada usuário poderia pintar um pixel de alguma cor, quantas vezes quisesse. O lance, porém, é que a cada pixel pintado era necessário esperar 5 minutos antes de poder pintar o próximo. Ou seja, se eu quisesse pintar sozinho esse banner que abre a newsletter e tem (58x24 =) 1392 pixels, eu teria que esperar 6955 minutos. Ou 116 horas. Ou quase 5 dias sem dormir. Isso tudo, é claro, sem contar o principal fator agravante: Qualquer pessoa poderia pintar por cima de qualquer pixel.
Pra completar, o site atualizava em tempo real, o que te permitia ver seu pixel de estimação sendo pintado de outra cor por, literalmente, alguém na internet.
Com esse conjunto de regras, logo fica óbvia a tônica do negócio: Organizem-se em comunidades, reivindiquem um território, desenhem sua arte e lutem por sua manutenção.
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E é aqui que o place realmente brilha. Centenas de subreddits (como são chamadas as comunidades dentro do Reddit) se organizando internamente, criando artes incríveis e disputando bravamente território digital depois de uma largada simultânea no primeiro de Abril. Infinitos agrupamentos de usuários, representando de países a conceitos, organizados e criando.
Pra ficar um pouco menos insano, dividi livre e arbitrariamente os tipos de arte que encontrei em 4 categorias principais:
Comunidades
Talvez a camada mais óbvia e ampla desse tipo de interação: “Coisas que a gente gosta”. Como falei sobre a experiência de 2017, de memes à Monalisa. Filmes, jogos, ideias, discussões, piadas, artistas, streamers: Todo tipo de interesse que une pessoas.
Se você é apaixonado por um assunto e de repente tem uma tela em branco colossal pra expressar o que quiser, as chances são de que você se expresse sobre ele, certo?
Bandeiras
Ainda um tipo de comunidade, é claro, porém algo que une pessoas que talvez nem frequentem as mesmas comunidades, mas dividem (ou originam-se em) um mesmo território geográfico ou identitário.
As partes mais extensas de arte no resultado final são, em sua grande maioria, bandeiras de países ou movimentos identitários. Suas áreas tornam-se tão gigantescas que dentro delas próprias hospedam-se dezenas de mini artes representativas.
Adições
Essa é quase uma meta-categoria, porque engloba basicamente expressões e interações que dizem respeito à própria forma como a experiência acontece, somando valor.
Por exemplo, como houve em 2017 e se repetiu agora, a realização de um “menu iniciar do Windows” na parte inferior da tela. Não é exatamente uma comunidade ou um interesse coletivo (e muito menos um país?), mas é uma sacada. É algo que adiciona à construção visual da coisa.
Outros exemplos (também presentes desde 2017) são o “blue corner” (canto azul) e o “green lattice” (grade verde), que são propostas visuais fechadas em si, que só existem dentro do contexto do próprio place, e nele se justificam.
Subtrações
Se existe o que adiciona valor espontaneamente, é de se esperar que, também exista o que subtrai, certo? Ainda mais falando da internet, sabidamente povoada pelos chamados trolls (hoje, no globo repórter). E aí temos desde intervenções “depreciativas”, como sair desenhando besteira e mudando letra pra transformar tudo que dá em pornografia (que sinceramente é a parte que mais me cansa nisso tudo, a pura e simples criançada), quanto puramente destrutivas, como é o caso do chamado “void” (vazio), outra entidade já presente em 2017 e particularmente interessante - usuários começam a pintar em massa uma área com pixels pretos. Isso cria um vazio visual que tende a se espalhar para áreas vizinhas e adquirir um comportamento quase - com o perdão dos tempos de pandemia - viral.
Menção honrosa: Among Us
Pra mostrar como ter dividido em categorias foi furada desde o início, um exemplo que eu não consegui exatamente colocar em nenhuma caixinha mas entra de certa forma em 3 delas é o do jogo Among Us (que bombou no começo da pandemia e tem como premissa identificar um impostor no meio de uma tripulação espacial). Pela facilidade de desenhar seus personagens (e até por uma questão temática) seus artistas invadiam outras artes misturando em seus pixels os impostores, muitas vezes sem que seus “hospedeiros” sequer conseguissem perceber. É, então, uma comunidade que se manifesta de uma forma questionável (porque interfere diretamente nas artes já feitas) mas ao mesmo tempo positiva (porque não descaracteriza aquelas artes, só se mimetiza nelas). Doido demais, né?
Esse fenômeno foi tão interessante que alguém fez um script para contar quantos amongus estavam distribuídos pela arte final. Outra pessoa gerou um mapa identificando cada um deles! A internet é demais, diz aí.
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E aí lembra que eu falei que, de acordo com o Reddit, esse ano o place seria “maior e melhor”? Poisé. Na virada do primeiro pro segundo dia a tela, que já estava completamente ocupada e em constante mutação, duplicou. Foi de 1000x1000 pixels pra 2000x1000. Ou seja, outro quadrado completamente em branco apareceu logo ao lado do inicial, um dia depois.
…e do segundo pro terceiro dia, duplicou de novo. Ou seja, quadruplicou em tamanho, a partir do espaço original.
E foi aí que eu francamente comecei a me cansar um pouco da coisa toda. É simplesmente muito pixel, muito espaço, muita arte e, principalmente, nesse último dia da ação, muita briga. Essa nova parte inferior se caracterizou por disputas absurdas entre países, streamers e bots (programas que se passam por grandes quantidades de usuários humanos para conseguir pintar áreas mais rapidamente), muitos bots. Não se sabia mais até onde eram humanos que colocavam os pixels ou só alguma automação impossível de ser superada. Eu confesso que desencanei e passei a checar com menos frequência, só pra conferir como as coisas estavam.
Nesse ponto, apesar de já ter salvo um tanto de print pra escrever aqui, questionei se valia mesmo à pena.
E valia, pelo que viria a seguir:
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No final do terceiro dia, como já havia sido divulgado pela equipe, o place acabaria. Como? Ninguém sabia. Talvez a tela se congelasse com os últimos pixels colocados e ninguém mais pudesse editar, eternizando o último momento. Mas não, foi melhor. Foi lindo.
Em um piscar de olhos, toda a paleta de cores que o usuário podia escolher para pintar seu próximo pixel foi substituída por uma só cor: Branco.
Ou seja: A gente ainda podia pintar a tela. Mas só podia pintar de branco. E, bom, não vou entrar em nerdice pesada aqui, mas digamos que a entropia se encarregou do resto.
Primeiro, as áreas mais contestadas (com maior presença de novos pixels e possibilidade de bots) quase instantaneamente se tornaram gigantescos blocos brancos. Depois, gradativamente, e organicamente, novas partes da tela se esbranquiçavam e dissolviam fronteiras e blocos coloridos em um mar pálido que só aumentava.
E então, como havia começado, o Place chegou ao fim com uma tela em branco.
No fim das contas, ter participado do r/place me marcou bastante. Foi divertido, estranho, às vezes meio perturbador e irritante, confesso, mas foi lindo. Resta saber se um dia a gente volta pra esse lugar.
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Chegou até aqui? Então você provavelmente se interessou MESMO pelo Place, né? Nesse caso, eu queria deixar uns links rápidos sobre ele, pra aprofundar a experiência:
Primeiro, o próprio link do r/place. Lá, clicando no banner principal a interface da tela se abre (congelada no último momento antes dos pixels brancos) e você consegue explorar livremente o espaço, com uma timeline que mostra TODAS as alterações, momento a momento. É realmente o mais próximo de reviver a experiência toda. Gasta um tempo lá, vai valer a pena.
Depois, um vídeo de timelapse do início ao fim da tela do place. 3 dias em 3 minutos. É bem legal de ver pra entender as disputas, a geração quase orgânica dos desenhos, as expansões diárias da tela e como ela foi sendo ocupada e, claro, o branco final.
E, por último e talvez mais impressionante: O atlas do place 2022. Esse deve ser o conteúdo mais interessante de todos, porque é um mapeamento colaborativo e interativo da arte final do place, onde pessoas identificam cada. pedacinho. de arte. e explicam de onde aquilo vem, o que aquilo representa. É literalmente um glossário interativo de toda aquela maluquice distribuída em 4 milhões de pixels. Obrigatório pra quem realmente se interessou (chatérrimo pra quem não). Aliás, foi buscando por “comet” lá que consegui os pixels que emprestei pra fazer o banner que abriu essa edição! :)
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Acabou por hoje, sem enrolação no último parágrafo porque eu já ultrapassei todos os limites aceitáveis da extensão de uma newsletter. Beijos e até a próxima! ❤️