☄️Esta newsletter não existe
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Esses dias eu me deparei com um post do André Abujamra no instagram, expressando saudades de seu pai (o eterno Antônio Abujamra). Na imagem, além de uma foto, a frase:
O que seria do mundo sem as coisas que não existem?
A provocação veio de encontro a um tema com o qual flerto há tempos para trazer pra cá e desenvolver um pouco melhor: Como a tecnologia nos permite gerar imagens impossíveis de coisas que não existem (e eu nem tô falando dos deepfakes que são assunto do momento mas se baseiam em gente e lugares que, de fato, são reais).
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Já aviso: O que vem a seguir parece simplesmente bruxaria ou sinal do fim dos tempos, mas tudo se responde com aquelas palavras do momento que você provavelmente já ouviu: Machine Learning, Redes Neurais, etc e tal. Tudo no reino da Inteligência Artificial.
Deus me dibre, como diz o outro, de achar que entendo qualquer coisa realmente relevante tecnicamente sobre isso. O que eu posso dizer, numa tentativa de explicar como se eu estivesse falando com uma pessoa de 5 anos (esse movimento existe e é muito interessante, dá uma olhada), é que: O computador analisa um monte de imagem e aprende a imitar a lógica delas, na tentativa e erro. E aí, como acontece com a gente, depois de muitos erros acontecem os acertos, e com o tempo a gente só melhora. (Quem imaginou que o computador te daria uma lição de vida hoje, não é mesmo?)
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Começando com o que deveria ser o mais impressionante: Essas pessoas não existem.
O site This Person Does Not Exist é, como diz o nome, um gerador de rostos que não existem. Entrou lá, apareceu um rosto de uma pessoa que não existe. Atualizou a página, outro rosto. E assim infinitamente. (Aos interessados, o site tem uma série de vídeos e documentação que explica o processo.)
Por mais que isso seja visualmente menos impactante que os próximos tópicos, eu acho que é o mais absurdo, porque são PESSOAS, certo? A gente é treinado pra ver e entender rostos humanos em milissegundos, e é impressionante o nível de detalhamento que existe nessas imagens. Eu tenho que ficar constantemente me lembrando: Essas pessoas não existem. Essas pessoas não existem.
E aí, como eu falei lá em cima, é tudo na tentativa e erro. Ou seja, uma hora ou outra erros acontecem e aí fica bem fácil se lembrar da inexistência dessas pessoas. Geralmente, o bicho pega quando o computador inventa de colocar mais gente nas bordas da imagem, ou acessórios na cabeça do inexistente:
E o mais legal é que isso não quer dizer que o site encontrou um limite intransponível. Eu lembro de quando o descobri, era impossível encontrar uma imagem decente de alguém com óculos. Vários meses depois, o computador visivelmente (perdão) já superou essa questão. Eu boto minhas fichas que no futuro veremos chapéus e amigos cortados com a mesma perfeição com a qual cortamos nossos amigos nas nossas fotos de perfil.
E aí, com base nas imagens do site, esse perfil do twitter foi criado. Além das fotos da pessoa, o perfil inventa (eu ainda não entendi se isso também é aleatório ou não, mas eu acho que é) informações pessoais, como idade, local e estado civil para cada post.
Ah, e como uma observação final, vale dizer que o site aprende com o banco de dados que tem. Aí entra um viés humano que é bastante complicado: Alguém decide (conscientemente ou não) essa amostragem. O que vemos disso é uma frequência muito maior de rostos brancos. Orientais aparecem em segundo lugar e quase não se vê negros. Tive que atualizar bastante até sair o que coloquei no gif.
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Além das pessoas, esse mesmo time tem outras iniciativas: Gatos, cavalos e até moléculas que não existem (esse último nem gera imagens estáticas, mas sim modelos 3D, rotacionáveis no próprio site)!
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Ainda no mesmo reino das coisas que não existem, porém em outro domínio - o da interatividade -, você já ouviu falar no NVIDIA Canvas?
A NVIDIA, empresa que desenvolve tecnologias e hardware de vídeo e computação gráfica, como as caríssimas placas de vídeo que são sonho de consumo de jogadores e artistas digitais mundo afora, criou o Canvas, um programa de geração de paisagens virtuais realistas. Ainda na mesma vibe de explicar pra uma pessoa de 5 anos (que já sabe o que é um computador e tem o conhecimento retrô necessário), é como se fosse o MS Paint de deus (com o perdão dos religiosos e dos designers gráficos). Você desenha uma mancha verde num lugar e fala “que aqui se faça um campo” e a mancha realmente torna-se um campo cheio de grama, verdinho e perfeito. Acima dele, no céu, você desenha um formato cinza que se torna imediatamente uma nuvem. E por aí vai. Tudo conversa, se adapta aos novos elementos e possui iluminação e cores que fazem sentido.
Atualmente, o aplicativo (que ainda está em beta) conta com 20 tipos diferentes de pincéis que cobrem elementos básicos de geologia (como “mar”, “montanha” e “vale”) e clima (como “floresta”, “neve” e “lama”). Dá pra criar cenários dos mais variados, desde praias paradisíacas a desertos infinitos.
E, como se não bastasse, o programa disponibiliza estilos visuais predefinidos que o usuário troca ao clique de um botão, permitindo que uma mesma cena, com os mesmos pincéis, adquira finalizações específicas de cores e tons, como se fosse outra foto, tirada em outro lugar do mundo em outra hora do dia.
Infelizmente, esse aqui é bem menos acessível que o site anterior. Ele precisa de uma placa de vídeo das mais recentes NVIDIA e de um computador que aguente o tranco. Mas é impressionante, né?
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Pra finalizar, proponho que a gente saia um pouquinho do reino do realismo objetivo (pessoas que realmente se parecem com pessoas, paisagens que realmente se parecem com paisagens) e vá pra um campo mais subjetivo da não-existência: Arte que não existe.
O Wombo.art é um app pra Android e iOS (e também um webapp que funciona no navegador) que gera, em questão de segundos, obras de arte (que envelopa em formato de “cartas colecionáveis”) em diferentes estilos artísticos, a partir de uma combinação de palavras que fica a critério do usuário. O aplicativo até recomenda que você crie combinações improváveis/impossíveis de termos, como “Never ending flower” (flor sem fim) ou “DNA Tornado (tornado de DNA) que são sugestões preexistentes por lá.
Até o momento, dá pra criar artes em 19 estilos diferentes, e é de lá a arte da imagem que abre essa newsletter :)
O interessante é que, por usar tecnologias de aprendizado com base numa amostragem real, o app mantém esse visual claramente fantasioso e artístico independente do comando do usuário, seja ele com base em termos reais ou não.
Nessa mesma pegada, mas em outro formato, existe o perfil ai_curio_bot, no twitter, que periodicamente abre para sugestões dos seguidores e posteriormente devolve uma interpretação artística do termos que foram enviados.
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Então, voltando ao Abuzão: Acho que tanto o mundo precisa das coisas que não existem quanto as coisas que não existem precisam do mundo, né mesmo?
Abraços, amigos. Qualquer dia eu volto com um papo que exista.