☄️ Nem todo herói usa capa - ou roupa - ou a cabeça.
Antes de mais nada: Habilite a exibição de imagens no seu email, caso ele desabilite por padrão, ok? ;)
é mole que existe um quadrinho de herói chamado "The Comet"? Eu acabei de descobrir isso!
E a piada de batismo sobre essa newsletter quase se fez verdade: Meses se passaram e nada do cometa aparecer de novo. Se não fosse pelo cafona porém inescapável então é natal, e o que você fez? que nos arrebata a cada final de ano, é possível que não houvesse mais cometa nos céus da sua caixa de email por vai saber mais quanto tempo. Mas nós tem essa criação cristã toda trabalhada na culpa e no fim de ano o bicho pega e o sentimento de “mas francamente, João, nem a newsletter você consigue manter em dia” se intensifica. Sorte a sua, que tem agora mais uma opção pra ficar no celular enquanto a família fala, polarizada, sobre o vídeo do porta dos fundos.
Eu poderia fazer uma retrospectiva audiovisual/gamer desse ano (confesso que até planejei essa edição do email) mas, sendo realista, as chances disso sair do papel com a pesquisa, apuração e organização necessárias seriam minúsculas. Então vou só falar mesmo sobre coisas que estiveram no radar no passado recente/presente. Mesmo assim, uma delas certamente figuraria nas altas camadas de uma possível lista dos melhores do ano.
Vamos lá.
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Agora, mais pro final do ano, duas séries estrearam compartilhando não só o macro-tema histórias de heróis adaptadas dos quadrinhos como também o micro-tema você realmente quer saber o que você não sabe sobre os seus heróis? Assistir as duas quase ao mesmo tempo (isso porque eu nem costumo consumir esse tipo de ficção) foi interessante por conta de terem propostas igualmente relistas/pessimistas, porém tons completamente distintos para contar cada história. Isso sem falar na história contada propriamente dita. Essas séries são The Boys e Watchmen.
The Boys
Adaptação da HQ lançada de 2006 a 2012, mostra uma sociedade onde, sim, super-heróis existem, mas não necessariamente têm aquela bússola moral totalmente calibradinha como, digamos, o pessoal que a gente costumar ver por aí nas telonas. Nobreza, bondade, altruísmo e pureza não são, nem de longe, os valores dos heróis. Em The Boys, eles têm, para além dos superpoderes, superdefeitos. E com razão: Num mundo onde os super-heróis existem e naturalmente ocupam uma posição de semideuses na sociedade, é inocência acreditar que a fama não subiria à cabeça. Afinal, são gente como a gente. Nasceram nesse mesmo planeta (escapou dessa, Kal-El). E se tem uma coisa que a gente sabe é que, historicamente, quem nasce aqui nesse belo planetinha é cretino até que se prove o contrário.
Na história, Os Garotos são o grupo formado por integrantes do submundo, quase criminosos, que sacam por diversas razões o problema que é ter heróis moralmente corruptos na sociedade, e se dedicam a – de forma resumida – acabar com isso.
O que caracteriza esteticamente a série e faz jus à HQ é a linguagem altamente explícita, gráfica e realista das cenas de violência. Afinal, se um herói consegue soltar laser pelos olhos, é errado que o raio colida com o inimigo e o arremesse, chamuscado, em direção à parede. Em The Boys, o raio laser (e qualquer outro poder) é levado às últimas consequências. O inimigo é violentamente partido ao meio, sem sair do lugar. A parede também. E tudo que estiver ao alcance do raio. Inclusive, o arco principal da história começa com Hughie, personagem que posteriormente causa a formação do grupo principal, perdendo sua namorada desintegrada ao ser acidentalmente atropelada por um super-herói que possui supervelocidade. A cena, totalmente gráfica, é um bom resumo da série e da linguagem. Se você se interessa por esse tipo de proposta ou estética, vai tranquilo que a produção da série é bem honesta.
Aliás, eu, que particularmente evito conteúdo gore dessa forma, ainda me senti interessado o suficiente para continuar a assistir. No fim das contas, a série é boa. Mas definitivamente não chega ao dedinho azul dos pés do nosso próximo item.
Watchmen
Essa é a parte do email na qual eu tenho que me cuidar pra não escrever um bloco de texto tão grande que vai começar em 2019 e terminar em 2020. Vamos tentar:
Quando eu li a HQ de Watchmen, lá por 2008 ou algo assim, eu cravei sem exagero algum (magina) que “Watchmen é a melhor história que eu já consumi em qualquer mídia: Seja filme, livro, música, jogo ou qualquer coisa”. E essa opinião, guardadas as devidas proporções, se manteve durante os anos. O fato é que o quadrinho de Watchmen é uma baita obra. Narrativa incrível do Alan Moore, com personagens orgânicos e super bem desenvolvidos, arte super consistente do Dave Gibbons, explorando possibilidades que só os quadrinhos possibilitam (como uma edição com diagramação espelhada para remeter aos padrões da máscara de Roschach): Um pacote completo.
Diferentemente de The Boys, Watchmen apresenta um mundo onde super heróis – essas pessoas que nascem com poderes inacessíveis ao resto da população – não existem, só o que há são os vigilantes (pessoas como eu e você, porém com coragem suficiente pra se fantasiar e sair à noite sentando a porrada nos criminosos). O único ser superpoderoso da história é o famosíssimo Dr. Manhattan, o “peladão azul”, que teve toda sua composição atômica alterada depois de um acidente científico e consegue enxergar e manipular o tempo e o espaço de uma forma diferente de nós. E aí, em sintonia com The Boys, a relação social em Watchmen também não se comporta de modo romantizado: Manhattan, por ter uma consciência elevada e ser pouco atento aos fatos mundanos, é manipulado pelo governo americano e vence a guerra do Vietnã (transformando o território em um estado americano); o elo entre a sociedade e seus salvadores é cheio de conspirações e polêmicas; O julgamento de cada vigilante é turvo em sua própria forma. Não existe uma bússola moral correta – e cada personagem tem a sua, calibrada de sua própria forma: Roschasch é claramente um extremista em sua ideia do “bem”, o Comediante é uma pessoa horrível a cada fato que lemos sobre ele, o Coruja é um “herói bundão”, e por aí vai.
Aí, em 2009, o Zack Snyder lançou um filme contando a mesma história. Por ser filme, naturalmente muita coisa dos 12 volumes da HQ se perdeu pra caber em 2h40. O fato de praticamente toda cena ter um super slow motion completamente desnecessário também não ajudou. E, por fim o desfecho da história original foi alterado. Até entendo a decisão (nessa de fazer sentido numa obra bem menor que é o filme), mas o fato é que não se comparava. O filme era literalmente só uma adaptação bem mais fraca da HQ. Nada de novo.
E eis que dez anos depois a HBO lança uma nova série (no horário mais nobre de sua grade, que antes era ocupado por Game of Thrones), encabeçada por Damon Lindelof (co-criador de Lost e responsável pela maravilhosa The Leftovers): Essa série é Watchmen.
Lindelof, fã confesso da HQ, não repetiu o erro de Snyder (tentar recontar uma história que já é perfeita), mas tomou um risco igualmente grande: Expandir o cânone dessa narrativa. Os fatos da série se passam em 2019 mesmo: 30 anos depois dos acontecimentos do gibi. Ao mesmo tempo, a série adiciona fatos e backstories anteriores à primeira obra! É como se a série entrasse como uma moldura para a história original: Cria e explica muito do que aconteceu antes, tudo que aconteceu depois, e ainda um tanto que aconteceu durante o que lemos nos quadrinhos. Tudo isso no estilo Lindelofiano de contar histórias: Fatos aparentemente isolados e inexplicáveis se entrelaçando numa história maior, fazendo sentido (ou não) em algum momento. Além disso tudo, a série conta com atuações incríveis, personagens muito bem desenvolvidos, uma história totalmente consistente (que reverbera tanto um passado cruel quanto um futuro perigoso, passando por um presente relacionável) e um vilão que a gente não se sente mal em odiar (afinal, quem não quer o fim do supremacista branco, não é mesmo?). No fim das contas, Watchmen (a série) é, tranquilo, uma das melhores coisas que foram feitas esse ano, expandindo uma das melhores coisas que já foram feitas na ficção (a HQ).
Se você se interessar, veja as duas séries. Cada uma tem seu ponto e seus méritos, e existe até um diálogo possível entre elas. Mas, se o tempo tá curto e a listinha de séries pra ver tá grande, faça um favor e priorize Watchmen. Não tem erro.
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Já que estamos falando de 1. Coisa boa e 2. O submundo dos heróis, nada mais justo que contar aqui o meu novo vício nos videogames: Hades.
Antes de mais nada, é um jogo da Supergiant Games. Se for pra eu escolher uma empresa de jogos pra levar pra uma ilha deserta pro resto da vida, é ela. É daí que veio o clássico indie que é Bastion, bem como um jogo que figura nos meus favoritos da vida inteira desde que joguei pela primeira vez: Transistor. Pra mim, Supergiant é sinônimo de histórias super bem contadas, gráficos simples porém lindos, jogabilidade 100% redonda e trilhas musicais perfeitas (não é a toa que Darren Korb, o músico responsável por elas sempre tá nos meus mais ouvidos do spotify). São jogos que funcionam, viciam e contam histórias.
Em Hades não é diferente. A história é toda feita sobre a mitologia grega, e seus personagens são deuses, semideuses e entidades do Olimpo e do submundo. Você joga como Zagreu, príncipe do submundo, filho de Hades, deus dos mortos. Sentindo que não pertence à casa de Hades, Zagreu tenta escapar do submundo. E é aí que entra o jogo: Numa fórmula propositalmente repetitiva e progressiva (conhecida como Rouge-like – corrijam-me se estiver errado), você repetidamente tenta fugir de onde está, e a cada morte volta para o início de tudo. Porém, as tentativas anteriores geram novos diálogos e novas quantias de recursos para você se fortalecer antes de partir novamente. Misturando o gênero com elementos Hack and Slash (a famosa porradaria, de apertar botão sem parar) e RPG (onde existem caminhos diferentes a seguir a cada tentativa, controlados até certo ponto por você), Hades tem uma jogabilidade que leva o “ah, vou jogar só mais uma vez” (joga mais 20 vezes) às últimas consequências.
O jogo ainda nem está em sua versão final (encontra-se em estágios avançados do desenvolvimento, mas já pode ser comprado) mas pra mim já é um novo favorito.
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Acho que então ficamos nessa. O cometa, dessa vez, foi um desses bem de história de super-herói. Possivelmente, nas próximas ele assume outros formatos.
Desculpem o texto longo (Watchmen tem esse efeito em mim) e espero que tenham curtido.
Se rolar alguma opinião/correção/sugestão, responde aqui. Quero muito mesmo saber o que vocês acham disso tudo.
Valeu e até a próxima! 😊