☄️ O que há por trás de uma pintura?
Antes de mais nada: Habilite a exibição de imagens no seu email, caso ele desabilite por padrão, ok? ;)
Contrariando todas as expectativas astronômicas, o cometa voltou a passar em menos de um ano?
Felizmente, a física não rege esse cometa aqui: Ele pode passar quando bem entender, até de ré, se quiser. Infelizmente, a física não rege esse cometa aqui: Não tem cálculo que saiba quando ele volta, também.
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Sem querer soar demais como o paulistano culturete, mas você já foi ao MASP? Se não foi, deveria. Todas as terças têm entrada grátis, etc etc você provavelmente já ouviu esse sermão, né?
O caso é que eu fui - numa dessas terças - pra ver a exposição da Tarsila do Amaral, que tem bombado nos últimos meses (e vai até dia 28 desse mês - aproveita!), tá com o Abaporu e a coisa toda. O legal é que não só você podia ver as obras como também viver, sem ter que ir ao Louvre, a experiência daquelas fotos que a gente vê da Mona Lisa, cheia de gente em volta, com celulares e tudo mais.
Agora vale o disclaimer: Essa newsletter não veio criticar o consumo de arte com celular na mão e selfie com a obra. Aliás, essa newsletter apoia todo e qualquer consumo de arte, seja como for. Se for pra ter fila na entrada de museu, a selfie com a obra é uma troca que deve ser feita com prazer. Aliás, nessa mesma visita ao MASP tinha um cara fazendo facetime mostrando os quadros para algém, é mole? :)
Mas o que eu realmente queria dizer nesse email, que surgiu nessa visita ao museu, é que alguma coisa na forma como eu vejo a arte - e, em última análise, a vida - se evidenciou ali. Mais precisamente, em dois elementos, que vou desenvolver:
Os rascunhos originais da Tarsila que estavam expostos próximos a algumas obras finais.
Eu não tenho ideia de onde (e pra ser sincero nem de quando) mas em algum momento da minha vida, numa zapeada aleatória que meu pai tava dando na televisão, caímos em um documentário falando do processo do Leonardo da Vinci e de como, na cabeça dele, o conceito era muito mais importante que a execução. Como ele se contentava em ter a ideia, antes de qualquer possibilidade de realização de suas coisas. Seus mil projetos, desenhos, invenções no papel eram justamente isso: Ideias, conceitos. Ele nunca fez, de fato, uma máquina que voava. Mas ele previu esse conceito. Ele criou essa visão. Ele rascunhou o helicóptero. E, por mais que esse exemplo específico não seja parte de seus trabalhos artísticos, o caso é que esse processo de criação prevalecia ao processo de realização (de acordo com o documentário que eu vi não lembro quando numa zapeada do meu pai, claro. Se você, leitor especializado em história da arte, tiver informações que anulem esse relato, por favor responda esse email e eu faço toda uma seção erramos na próxima newsletter especialmente pra você).
Voltando à Tarsila, e aí pensando em retrospecto em outras exposições onde havia rascunhos em meio a obras finalizadas que eu tenha visitado, o caso é que algo em mim reverbera com esse momento da idealização. Longe, LONGÍSSIMO de mim querer dizer que eu e Leo (para os íntimos) somos parecidos, mas a verdade é que sempre presto mais atenção nos rascunhos que nas obras. Eu sempre fotografo mais os rascunhos, eu sempre fico mais tempo olhando os rascunhos e chego mais perto deles pra ver o traço do lápis que dos quadros pra ver a pincelada.
E isso, indiretamente, se reflete pra minha vida. Só que aí, olhando pela ótica do dar certo na vida, de um modo negativo. Porque isso, de certa forma, justifica e valida em mim o comportamento tão reincidente de só começar os projetos. Só pensar no blog que eu queria ter, comprar o domínio, criar a identidade visual, fazer o layout, virar o site, postar por uns dois meses empolgadíssimo e, bom, depois o resto é história. Quase um ano sem postar, sem perspectivas de ter vontade de voltar. Ou então já ter, há uns 2 anos, a história que eu quero escrever num livro e simplesmente não sentar a bunda e começar. Ou então pensar no podcast que eu teria e nunca realizá-lo de fato. Ou, quem sabe, essa newsletter, também. O medo de essa segunda edição ainda fazer parte do "rascunho" na minha cabeça e da coisa minguar nos próximos capítulos é grande.
Resumindo: Eu sempre crio os personagens e a casa no The Sims, perfeitinhos, mas na hora de fazer o bonequinho viver de fato, eu abandono. (Isso é real. Serve como exemplo mas é terrivelmente real. Desculpa, sims.)
Enfim, preciso dar um jeito de tirar os rascunhos do papel - por mais que eles sejam a minha parte preferida -, né?
Os versos dos quadros do acervo permanente do MASP.
Aproveitando que a gente já tava lá, saímos da Tarsila e subimos ao segundo andar do MASP, onde fica o acervo permanente do museu - com coisas absurdas (Van Gogh, Cézanne, Renoir, Monet, e grande elenco) e até o original do mundialmente famoso meme de Jesus mandando um eyesrolling. E aí, novamente, eu gostei, sim, dos quadros, mas o que me pegou mesmo foi o verso deles.
Explico: O acervo permanente do MASP tem arte até nos cavaletes. Os quadros são expostos no cavalete de concreto e vidro da Lina Bo Bardi (que é também quem projetou o Sesc Pompeia, das construções de concreto adicionadas ao pavilhão de galpões originais até as famosas cadeiras do teatro). O grande lance é que é na parte de vidro do cavalete que as obras são suspensas. E aí, por estarem todas expostas para a mesma direção (a de quem entra no andar), quando você chega até o final e volta para a entrada, você só vê os versos (que é também onde estão as fichas técnicas das obras). É lindo. Eu fiz até um timelapse rapidinho pra mostrar o espaço disso.E acontece que a reação, pra mim, não foi só estética: Também foi filosófica. Algo em mim também reverbera com aquilo, com o verso. Eu me interesso, em medidas iguais (se não superiores) ao processo oculto da apresentação artística. Um quadro não é só sua parte da frente, né? Até uma pintura em tela, bidimensional por natureza, tem algo por trás (metaforicamente no caso dos rascunhos e literalmente nesse caso). E o modo como cada tecnologia de preservação, emolduração e revestimento se mostra pelo vidro do cavalete vulnerabiliza a obra, e mostra que nada disso é divino, absoluto, espontâneo. A arte é humana, a arte é trabalho. E, claro, extrapolando ao universal: Tudo que parece pronto, bonito e intocável tem um verso, tem bastidores e tem processo.
Moral da história: Olha aí como consumir arte não é um ato passivo. Uma ida despretensiosa ao museu gerou toda uma newsletter de pensamentos e pirações. Você já foi ao MASP? :)
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E aí o João Gilberto morreu nessa última semana.
Eu não sou particularmente adepto da avalanche de homenagens e reações virtuais que rola quando ícones nos deixam, na miséria que já é a vida. Não me entenda mal. Só acho que, de alguma forma, ainda não estamos lá, na sociedade digital. É uma dessas questões de etiqueta, sabe? Acho que a gente ainda não sabe lidar com esse momento específico. Mas, pensando bem, nem no mundo físico a gente sabe, né? Enfim, desculpe a digressão. Fato é que, como essa segunda edição da newsletter já tava se formando na minha cabeça quando tudo aconteceu, achei importante incluir meus dois centavos sobre o assunto.
Eu sempre gostei de música estrangeira. Acho que qualquer pessoa minimamente eclética passa por isso. Tem toda uma história musical que não compreende o Brasil diretamente: jazz, blues, rock, música eletrônica. É bem tranquilo admitir que nós não somo o centro do mundo da música (até porque ninguém é, né?).
Porém, se tem uma coisa que de tempos em tempos eu me vejo reafirmando é que a melhor música do mundo é a brasileira. Parece meio piegas, eu sei. Mas o fato é que é isso. Não tem música estrangeira que me toque do jeito que algumas canções e alguns ritmos tão nossos me tocam.
Eu posso passar anos sem pegar pra ouvir de verdade um disco do Chico, mas assim que acontece já me pergunto como passei tanto tempo sem isso; Eu amo ouvir música triste, mas é só ouvindo Iracema, do Adoniran, que o coração realmente aperta e a voz dá aquela tremida. Tem algo no meu gosto musical que sempre vai amplificar as sensações e assimilações com a música que é feita por aqui.
Mas e o João Gilberto, João Cometa?
Corrija-me se eu falar groselha, leitor especializado em história da música, mas o João Gilberto é, em termos globais, o grande vetor da música brasileira. É creditada a ele (justamente, eu imagino? realmente não sei das fofocas - se existirem) a invenção da música realmente nossa, a Bossa Nova. É claro, ele não é *o dono* da música brasileira. Mas acho que ele é um ponto obrigatório em qualquer visão mais ampla sobre ela. A grosso modo, é desse vetor que vieram os grandes ícones da música brasileira aos olhos do mundo - Caetano, Chico, Gil, Tom Zé, e provavelmente até o Michel Teló (sério? acho que é sério sim, em algum nível). E ele existe um tanto além das suas composições específicas. Eu mesmo não conheço a fundo seu repertório inteiro, mas sinto seu peso histórico em muitas das coisas nas quais acabo me aprofundando.
Aliás, um dos meus estrangeiros preferidos é o Damien Rice e é público que uma de suas influências é justamente o João Gilberto, e a bossa nova no geral. Tanto que gravou, com a Lisa Hannigan, uma versão pra Desafinado (e é engraçado pra gente ouvir os artistas anglófonos tentando cantar em português, quando historicamente é o contrário que acontece)
E aí eu estava quase apertando o enviar quando uma amiga (olá, Camila!) postou no stories umas aspas do João Gilberto, de uma entrevista que foi publicada nos anos 70 n'O GLOBO onde fala sobre um punhado de coisas, mas o trecho em questão foca seu conhecidíssimo temperamento problemático, sempre encontrando problemas técnicos de som, no retorno e tudo mais. Achei bacana incluir:
(...)Aliás, fico muito triste quando inventam histórias assim a meu respeito. Como aquela de que sou uma pessoa impossível de se trabalhar, um temperamental perfeccionista — um “chato”. A verdade é que gosto multo do meu trabalho. É a minha opção de vida, minha aproximação pessoal da felicidade. Interessa-me fazer sempre o melhor trabalho, dividir o melhor possível os acordes, a emissão conjunta e uníssona da voz e do violão. Essa preocupação, que uns chamam de exagero e preciosismo pedante, nada mais é do que amor pelo que faço. A certeza de que não sou perfeito ou um gênio, de não ter essa voz privilegiada que outros dizem — e de que é necessário trabalhar a sério e duro pelo produto final, este sim, perfeito: a música brasileira.(...)
Só pra cravar o panorama desse chapéu da música nacional que ele era - e vai continuar sendo: Em sua canção Pra Ninguém, Caetano Veloso lista um tanto de intérpretes brasileiros e suas músicas mais conhecidas, só pra depois dizer que:
Melhor do que isso só mesmo o silêncio
Melhor do que o silêncio só João
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Tentando (mesmo com o email ficando perigosamente longo) manter um momento exclusivo pra uma rápida sugestão, queria deixar a recomendação de ISLANDERS, um jogo pra computador com uma proposta simples: Povoar uma ilha, manejando seus recursos. Longe de ser um jogo de estratégia convencional, como os Age of Empires da vida, ISLANDERS (pelo jeito se escreve assim em maiúsculas, mesmo) é um jogo minimalista com mecânicas e jogabilidade super simples. Vendo o jogo, é quase um passatempo. Só que é um passatempo que me tomou 8 horas em 2 dias. As relações entre os recursos são tão bem pensadas, a estética do jogo é tão bonitinha, o carregamento é tão rápido e a satisfação de ver sua ilhazinha prosperar é tão, mas tããããão grande, que você abre pra jogar 5 minutinhos e quando você vê já são duas da manhã e você realmente precisava dormir (baseado em fatos reais). Aliás, fica aí o abraço ao Leo, que me sugeriu o jogo inicialmente e portanto é parcialmente culpado pelas horas a menos de sono.
A melhor parte? Custa 12 reais. Com o dinheiro de 2 pastéis na feira você tem essa maravilha do game design. Eu sei, 2 pastéis é uma escolha tentadora. O exemplo foi ruim. Troca por "com o dinheiro daquele Starbucks diferente que você experimentou mas só achou meio aguado e doce demais mesmo".
Esse texto do Kotaku sobre o jogo vai da desconfiança inicial à sua simplicidade a um elogio à enxugada interessante que o ele dá no gênero de construção de cidades.
olha que belezinha de ilha. eu que fiz! ❤
💬
Bom, acho que esse cometa ficou gigantinho, né? Com o tempo vou acertando a frequência e o tamanho do negócio. Pra ser sincero, não ia ser tão extenso, mas aí teve o negócio do João Gilberto e não teve como não falar. Também acho que dei uma empolgada além do necessário nos assuntos do MASP. Mas é isso aí, né? Quem leu tudo tá de parabéns. Quem leu e clicou nos links, cara, vc arrasa. Quem não leu tudo super entendo. Quem nem abriu... ué?
Como sempre, fique à vontade pra responder ou indicar pra pessoas que você acha que possam curtir. E, como sempre, se não quiser não precisa.
Até! 😘