☄️ Receita de pizza para alienígenas
Discos dourados viajando pelo espaço e seres feitos de carne
Eu já falei sobre o Reddit, né? Sobre como é lá que a minha internet tá - ou melhor, todas as internets. Lá tem de tudo, pra todo tipo de gente.
Um dos subreddits dos quais faço parte (e aí aparece no meu feed principal) é o r/InternetIsBeautiful, que basicamente reúne achados da internet: Sites divertidos, que fazem coisas inesperadas, ou só são interessantes de uma forma diferente. Recomendo fortemente.
Mas o ponto dessa edição é:
🍕👽
Esses dias, por lá, me deparei com um tópico chamado Pizza Recipe for Aliens (ou Receita de Pizza para Alienígenas, em português). Impossível não clicar. E aí, para minha surpresa, o conteúdo era ainda melhor do que eu imaginava: planet.pizza: Um site extremamente simples, feito com tabelas básicas de HTML, tentando prover instruções suficientes para que um alienígena, que nunca teve contato com a terra, nossa espécie, nossas comidas e sequer nossa composição atômica, seja capaz de fazer, por conta própria, uma deliciosa pizzinha.
É um scroll longo e único, sem links externos ou interatividade. Uma série de tabelas com imagens e instruções em texto e nada mais.
Aqui, me aproveito do formato altamente vertical da newsletter e copio o site inteiro, da cabeça aos pés. Não precisa entender, só sentir. Boa viagem e até o resto do texto, lá pra baixo:
E aí: Se você fosse um extraterrestre, tendo descoberto essa mensagem por acaso, manjaria uma bela marguerita hoje à noite?
Poisé, eu pensei a mesma coisa. “Nem humanos conseguem entender isso, cara”. Mas é aí que entra a parte realmente interessante do negócio, que é: A gente não precisa entender isso, né? Porque a gente sabe simplesmente fazer uma pizza sem ter que entender qual é o papel do símbolo π no desenvolvimento de uma receita.
Mas pensa: Alguém que não conhece a água, o círculo, o tomate ou o sistema numérico realmente precisa entender tudo, tudinho, se não tiver um delivery à disposição. É quase como pensar em programação pra um computador. Você precisa primeiro ensinar pro computador o que é um círculo pra depois ter sua capacidade lógica completamente suplantada por ele. Mesma coisa com o etê: Ele pode saber explorar o espaço e viajar em velocidades superiores à da luz pra chegar aqui na terra, mandar um canhão abdutor que a gente não sabe nem que tipo de tecnologia usa e me mandar pra dentro da nave pra finalmente implantar em mim o tão esperado 5G. Mas de quê serve isso tudo se ele não sabe o que é um tomate e, portanto, não conhece as delícias da língua queimada por uma calientisima fatia de pizza que acabou de sair do forno?
O ponto é que eu achei isso tudo um exercício de abstração e lógica interessante demais. Você tem que se desprender completamente do que a gente já conhece só por ter nascido aqui, e depois dar um nó no cérebro pra entender como explicar uma trivialidade pra uma forma de vida completamente diferente.
Em tempo: O único link clicável do site é a discreta palavra human (humano), que leva para uma segunda página, dessa vez escrita para leitores terráqueos. Infelizmente, dessa vez não tem receita de pizza, e sim uma explicação detalhada sobre o site, justificando sua existência (“Se extraterrestres nos visitarem como amigos, exploradores ou pesquisadores, seria bem útil usar este site para simultaneamente descrever sessões amplas de nossos sistemas matemático e científico bem como ensinar a produção de um dos prazeres mais unânimes de nosso planeta”) e detalhando, ponto a ponto, o processo de decisão por cada um dos elementos ensinados para chegar na receita da pizza. Vale a leitura.
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E nesse assunto me lembrei dos Voyager Golden Records (os Discos de Ouro da Voyager): Dois discos fonográficos feitos de cobre banhado em ouro que foram enviados junto com as sondas Voyager 1 e Voyager 2, lançadas em 1977, para o caso de um extremamente improvável - mas ainda estatisticamente possível, bora sonhar - evento onde alguma forma de vida inteligente espaço afora encontre uma das sondas. Os discos contêm uma ampla seleção de material humano, como imagens, sons da natureza, músicas de diversos locais do planeta, saudações gravadas em várias línguas e até mensagens de Jimmy Carter e de Kurt Waldheim, (respectivamente então presidente dos EUA e então secretário-geral da ONU).
“Isto é um presente de um mundo pequeno e distante, uma lembrança de nossos sons, nossa ciência, nossas imagens, nossas músicas, nossos pensamentos e sentimentos. Nós estamos tentando sobreviver aos nossos tempos para que possamos viver nos seus.”
Jimmy Carter
Na capa do disco, feita de alumínio, alguns esquemas gráficos gravados procuram explicar sem o uso de palavras o que é aquele objeto circular e como utilizá-lo, usando código binário e diagramas técnicos representando o disco, a agulha que vai tocá-lo, a aparência de uma onda sonora e até a localização do nosso sol! Além disso, uma amostra puríssima de urânio-238 foi galvanizada junto à capa para que nossos futuros ouvintes possam calcular a data de lançamento - com o perdão do duplo sentido - do disco (esse isótopo do urânio têm uma meia-vida de 4.5 bilhões de anos, o que deixaria uma janela bem grande para que uma futura civilização determine a idade do disco baseada no que restou do elemento. É… Eu também não entendi direito, mas a ideia tá aí).
O projeto dos discos foi capitaneado por ninguém menos que Carl Sagan, que (além de brilhante cientista) foi provavelmente o primeiro caso de fenômeno pop da astronomia, antes de Stephen Hawking ou Neil deGrasse Tyson.
Duvida? Ouve aí uma música dele.
Pra fechar as missões oficiais, uma curiosidade: A ilustração que abre o site da receita de pizza (um homem e uma mulher nus) é idêntica à que foi gravada no projeto anterior aos discos das Voyager, uma placa bem mais simples batizada de Placa Pioneer. A figura foi bastante criticada, o que fez com que a NASA proibisse seu uso para os discos dourados.
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Pra finalizar, ainda no tema do estranhamento alienígena e voltando ao Reddit, no post onde eu vi o planet.pizza um usuário comentou com um link (e é esse o perigo dessa rede, quando você vê já clicou em mais 30 páginas e não sabe mais que horas são e o que tá acontecendo na sua vida) para um conto curtinho incrível, publicado em 1991 pelo escritor Terry Bisson, chamado They’re Made out of Meat (Eles são Feitos de Carne), onde dois alienígenas constatam, pasmos, que o ser humano é feito - apenas - de carne, e como aos olhos deles isso não faz o menor sentido. O link original tem o texto em inglês, mas encontrei uma tradução pra português aqui, no final desse artigo!
(…)
– Não há nenhuma dúvida sobre isso. Nós captamos vários deles em diferentes partes do planeta, levamos alguns deles a bordo de nossos naves de reconhecimento, e fizemos sondagens durante todo o tempo. Eles são feitos completamente de carne.
– Isso é impossível. E sobre os sinais de rádio? As mensagens para as estrelas?
– Eles usam as ondas de rádio para falar, mas os sinais não vêm deles. Os sinais vêm de máquinas.
– Então, quem fez as máquinas? São esses que nós queremos entrar em contato.
– Eles fizeram as máquinas. Isso é o que eu estou tentando dizer. Carne fez as máquinas.
– Isso é ridículo. Como carne pode fazer uma máquina? Você está me pedindo para acreditar em carne senciente.
(…)
O conto também ganhou uma adaptação audiovisual em 2005, dirigida por Stephen O’Reagan. Saca só:
🤔
E isso tudo é pra gente ficar pensando: Será que um dia os discos de ouro das Voyager vão chegar às mãos (ou equivalente alien) de algum serzinho que vai nos decifrar, ver e ouvir? Será que um dia a gente vai rachar uma pizza da esquina com visitantes improváveis? Será que a pizza não vai ser de delivery porque quem vai fazê-la serão os próprios visitantes? Será que os visitantes vão estranhar o fato de existir pizza com carne aqui nesse planeta, sendo que a gente é feito de carne?
Se a gente é feito de carne, será que existem seres feitos de pizza????
Com essa, me despeço. Até a próxima e bom apetite! 🍕
Preciso conhecer seres feitos de pizza!